A contabilidade do conhecimento: um ativo intangível deve constar do balanço patrimonial da organização?

O presidente de uma organização estava convicto da necessidade de implementar uma cultura de inovação para fazer frente aos desafios cada vez mais complexos e mais frequentes do mercado.

Imagem: www.contabeis.com.br

por João Leonardo Angeleti Souza

O presidente de uma organização estava convicto da necessidade de implementar uma cultura de inovação para fazer frente aos desafios cada vez mais complexos e mais frequentes do mercado. Para obter sucesso na mudança cultural pretendida, o conhecimento deveria ser enxergado como um fator dotado do maior relevo nos processos organizacionais. Para tanto, foi estabelecida como objetivo estratégico a implantação da gestão do conhecimento na empresa. A fim de disseminar a nova mentalidade para todos os âmbitos da organização, foi criado o cargo de Diretor de Gestão Conhecimento (GC), cujo primeiro desafio seria precisamente explicar qual era sua função (a do Diretor) e proporcionar um entendimento do que seria a GC. Para ocupar o cargo, foi designado Sérgio Endrigo, até então ocupante de um cargo de gerência, com vasta vivência dentro da organização.

Sérgio, agora Diretor de GC, estudioso e permeado pela obra do norte-americano Karl Wiig, compreendia o conhecimento no sentido de verdades e crenças, perspectivas e conceitos, julgamento e expectativas, metodologias e know-how. Não obstante, no momento, a influência maior buscada vinha de outro karl (o finlandês Sveiby), posto que a intenção era implantar uma estratégia baseada em conhecimento na organização em comento. Entendendo que a GC consiste em gerir os processos de conhecimento, especialmente no que diz respeito ao conhecimento relevante para o negócio, o Diretor desejava implementar um sistema de gestão do conhecimento, composto essencialmente por duas categorias: uma relativa a práticas de GC (métodos e técnicas); outra relativa a ferramentas (sistemas de informação e comunicação para suportar as práticas de GC).

A fim de comunicar tais conceitos aos colaboradores da organização, foi idealizado um período inicial de divulgação da GC e de instigação para que houvesse envolvimento nas atividades de implementação do sistema de GC. Foram preparados banners (lançados virtualmente na intranet da organização e também afixados fisicamente em elevadores e outros locais de intenso fluxo), além de e-mails explicativos. Num dos cartazes de divulgação, constava uma referência ao capital intelectual e à sua importância para a organização. Em suma, o capital intelectual (capital humano + capital estrutural) era apontando como a soma dos conhecimentos de uma organização, os quais proporcionam melhor performance e, por consequência, vantagens competitivas no caso de organizações sob a lógica de mercado.

Ao se deparar com o referido material de divulgação, Gianni Morandi, Chefe do Departamento de Contabilidade, ficou profundamente incomodado. Ora, pensou ele, se o conhecimento for um bem econômico (o capital intelectual no caso), deverá constar do balanço patrimonial da organização? Seria o conhecimento, então, um ativo contábil (ainda que intangível)? Tais indagações chegaram ao conhecimento de Sérgio, o Diretor de GC, que passou a refletir sobre as questões propostas. No dia seguinte, Sérgio orientou a preparação de um material de divulgação adicional, no qual constava referência ao conhecimento como um fator intangível, que não precisava ser denominado, tecnicamente, de ativo. O importante, para entendimento dos colaboradores da organização, era que se compreendesse o papel do conhecimento para subsidiar solução de problemas e suportar processos decisórios em geral (nos diversos níveis organizacionais).

Ciente da importância de alinhar o significado de conhecimento ao contexto organizacional, o Diretor de GC esclareceu ao Departamento Contábil que o capital intelectual não estaria sujeito a constar do balanço patrimonial. O essencial, com a implantação da GC na organização, era ter em vista alguns objetivos pretendidos, principalmente os seguintes: inovação e mudança; excelência operacional; melhoria no atendimento ao cliente; e crescimento e expansão. Assim sendo, a Contabilidade compreendeu que o conhecimento, ainda que encarado como um ativo (intangível no caso), sob uma ótica (visão) baseada em recursos, não estava sujeito a normas contábeis, mesmo admitindo-se que o conhecimento tenha profundas implicações econômicas. Resolvido o impasse e tendo havido sucesso na fase inicial de divulgação e conscientização, a Diretoria de GC partiu para a próxima etapa, que seria um diagnóstico do estágio atual do conhecimento na organização, mas aí serão cenas dos próximos capítulos!

*Esta narrativa faz parte das atividades de aprendizagem do Programa SBGC Online: Gestão Conhecimento – Conceitos e Práticas. ​

Sobre o Autor: 
João Leonardo Angeleti Souza é graduado em Direito pela Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES) e atualmente é mestrando em Gestão Pública na
UFES. É Analista Judiciário do TRE/ES e Chefe de Cartório Eleitoral. Tem
aprofundado estudos com foco em estratégia e gestão do conhecimento em órgãos
públicos, especialmente na Justiça Eleitoral.