Os tempos foram passando. Exímio cumpridor de suas tarefas rapidamente foi promovido a supervisor, chefe de setor, Coordenador, Diretor de Operações e as coisas pareciam que continuariam de vento em popa. Contudo, cada vez que participava de uma contratação ou de uma avaliação de desempenho, o conflito do início de sua carreira na Queromais voltava a visita-lo. Eis que a crise de 2008 o surpreendeu e a todos da empresa, o faturamento despencou e a necessidade de cortar custos caiu sobre sua cabeça de forma avassaladora. Era imperativo reduzir o quadro de pessoal, tanto gerencial quanto técnico, atualizar tecnologicamente as linhas de produção e rever todos os processos de trabalho em busca de maior produtividade.
A intensa revisão de processos acompanhada de maciça automatização da produção forçou Messias a convocar os que haviam ficado na empresa a se tornarem multifuncionais e a não depender unicamente dos POPs. O desafio era enorme e a cultura não ajudava. Todos estavam acostumados a seguir procedimentos ditados por manuais ou pelos chefes e ninguém se metia a fazer outra tarefa que não fosse aquela para a qual havia sido contratado. Agora todos estavam sendo convocados a atuar em várias estações de trabalho, e a urgência das mudanças já não deixava mais tempo para buscar chefes que “sabiam de tudo” pois ele não mais existiam. Eis que todos se viram na contingência de consultar um ao outro diante de dúvidas e a buscar orientações onde elas estivessem, seja dentro ou fora da empresa.
Descentralização na tomada de decisões operacionais, projetos de melhoria com times interdisciplinares e células com colabores multifuncionais se tornou o dia-a-dia da empresa. Todos eram estimulados a compartilhar o que iam aprendendo em reuniões rápidas e frequentes, e a cada novo desafio vencido alguém do grupo assumia a tarefa de registrar as “lições aprendidas”. Quando o pessoal de relações com clientes, antes percebidos como de vendas ou marketing, identificavam uma oportunidade de encantar o cliente, rapidamente e sem precisar consultar chefe algum, disparava uma “chamada de inovação” que era respondida por qualquer um que se visse em condições reais de contribuir. Disseminar, reter, proteger, memorizar, experimentar, criar e aplicar conhecimento em produtos, serviços, metodologias e ações da “Queromais Empreendimentos” tornou-se uma forte prática de gestão, prática esta que agora responde pela memória corporativa, pela inteligência coletiva e colaborativa, promovendo inovações e aumentando a capacidade de reestruturação continua de sua natureza, renovando persistentemente sua vantagem competitiva.
Enfim, 2008 foi vencido, como também 2013 e outros solavancos. A empresa retomou seu crescimento e consolidou suas comunidades de práticas a partir de seus times multifuncionais, que agora se viam empoderados para decidir sobre o dia-a-dia das operações e de suas carreiras e corresponsáveis pela construção das estratégias que cuidam da realização da visão de futuro da empresa. Messias agora não mais atormentado pelos “conflitos” de seus primeiros dias, já se achava “virando a própria mesa”.
Sobre o autor: Adauto Bezerra Delgado Filho.
Entusiasta da autogestão, Adauto transita na área de gestão pública há mais de 30 anos contrapondo pressupostos “maduros” contra a jovial aprendizagem coletiva. Com passagens pelas áreas de TI, administração hospitalar, administração geral, auditoria interna, relações internacionais e administração acadêmica, Adauto participa de alguns projetos estratégicos da Unicamp como integrante da sua Diretoria Acadêmica. Ativista de metodologias ativas há mais de dez anos, tem invertido a sala de aula em cursos de extensão nas disciplinas de administração geral e gestão da qualidade total. Administrador de Empresas e Mestre em Engenharia Mecãnica, Adauto tem sido positivamente incomodado pela teimosa questão da aprendizagem organizacional a ponto de levá-lo a aceitar convites de trabalhos voluntários junto à gestão de ONGs.