Era uma vez uma empresa que se chamava Democracia, que passou por uma gestão que durou mais de 15 anos. A preocupação principal do presidente durante sua gestão fora alimentar bem as pessoas; também havia preocupação com o crescimento e desenvolvimento humano e profissional, visto que foram inauguradas diversas áreas de educação e treinamento. Entretanto, não houve preocupação com a gestão do conhecimento relevante para o negócio da Democracia. O Presidente não sabia que se tratava de temas distintos, e talvez nem mesmo sabia o que significava gerenciar o conhecimento corporativo. E, como consequência, neste período, o conhecimento permaneceu concentrado em poucas pessoas, impactando a excelência operacional da Democracia, que até operava, mas com altos custos.
A ausência desse pensamento crítico foi criando, aos poucos, uma nova cultura“organizacional”. E como toda cultura que vai se moldando, na empresa Democracia um perigoso sistema de crenças começou a se estabelecer.
As pessoas começaram a acreditar que o conhecimento não era importante e que todos que pensavam diferente, eram inimigos. Alegavam que os benefícios até então conquistados não eram mais importantes ou suficientes e que estavam insatisfeitos com o andamento da Democracia. Havia se instalado na organização um pensamento coletivo de impunidade, pois segundo os trabalhadores, muitos amigos do presidente foram favorecidos com cargos melhores. Era preciso fazer algo. Os guardiões dos saberes (intelectuais, professores, escritores, jornalistas) não conseguiram identificar essa nova cultura se instalando e de repente os trabalhadores da empresa se rebelaram e depuseram o presidente da organização.
Um presidente assumiu interinamente, até que os trabalhadores pudessem eleger um novo representante. E assim foi. Elegeram uma figura que representava todo o sistema de crenças e cultura naquele momento dominantes. O problema é que o escolhido não sabia quais conhecimentos eram estratégicos para a organização e assim, nomeou novos guardiões para fazerem um mapeamento.
Logo, os novos guardiões, que também não possuíam conhecimentos sobre suas áreas de atuação, mapearam, por meio de inferências e achismos, aquilo que julgavam importante e traçaram estratégias para resolver os problemas do negócio. Um exemplo de conhecimento mal mapeado foi quando identificou-se que para assumir um alto cargo executivo na empresa, o candidato precisava saber fritar hambúrgueres, sendo que a empresa não era do ramo alimentício.
Alguns meses se passaram e a empresa não caminhava bem. Sem identificar os conhecimentos importantes para a Democracia avançar, as pessoas ficavam reinventando a roda – criavam projetos muito parecidos com a gestão anterior substituindo apenas a nomenclatura e qualquer estratégia continuava se mostrando ineficiente. Alguns executivos tentavam corrigir a rota, apresentando ao presidente dados que pudessem direcionar melhor o negócio, mas, o fato dos dados apresentados desmentirem o plano estratégico da organização, causavam a demissão sumária dos executivos e mais e mais conhecimento se perdia no caminho.
Aqueles que detinham conhecimentos críticos passaram a ter medo de se manifestar e foram embora da Democracia por meio de um PDV (Partida Democrática Voluntária),
em um movimento que ficou conhecido como “fuga dos cérebros”. Outros parceiros importantes para o negócio, com sedes na Alemanha e na Noruega observavam a movimentação na Democracia e retiraram seus investimentos, dada à incerteza do negócio.
Quando o presidente finalmente se deu conta, a maior parte dos conhecimentos estratégicos para o negócio já haviam se perdido e a empresa começou a apresentar problemas em diversas áreas. Recorreu-se a uma série de reformas, entretanto, sem sucesso. Rapidamente a Democracia entrou em uma queda vertiginosa, perdendo vantagem competitiva no mundo dos negócios, afinal, os investidores não queriam arriscar recursos em uma organização com uma cultura em declínio e que não era capaz de criar, manter, disseminar e aplicar os seus conhecimentos. A excelência na gestão estava profundamente comprometida e éramos incapazes de inovar, crescer e expandir nossos negócios.
Era uma manhã fria de 2006 quando acordei depois de um sonho estranho. Nesse sonho, nossa organização entrava em colapso no ano de 2020, e o motivo era ausência de gestão do conhecimento. Achei um verdadeiro devaneio da minha cabeça, afinal, nunca havia parado para pensar nisso, mas então me veio à mente uma frase de umsábio oriental que conheci: “o conhecimento é dinâmico, complexo e emancipatório”.
Ainda deitada na cama, comecei a refletir: o que fazer para que esse pesadelo não se tornasse realidade?
Com essas inquietações, telefonei para o presidente da organização e falei que precisávamos conversar. Eu estava certa que uma estratégia traçada agora, mudaria para sempre o rumo da Democracia. Era um sentimento baseado em percepção, mas que por algum motivo que eu não podia explicar, eu sabia estar certo.
Contei meu sonho ao presidente e ele pareceu se conectar com a ideia imediatamente. Convocou, então, os alto executivos da Democracia para que discutíssemos o assunto. O executivo da área de educação, um jovem com futuro promissor na Democracia, sugeriu que iniciássemos um mapeamento. E assim desenhamos em uma grande folha branca, algumas perguntas que precisariam de respostas urgentes: O que era realmente importante para a Democracia – o que, de fato, entregávamos ao mundo? Quais saberes seriam fundamentais para que o negócio sobrevivesse? Quem detinha esses saberes? Como evitar que eles se perdessem? Como disseminá-los aos demais?
Não havia tempo para esperar. Para que tivéssemos um ano de 2020 promissor, era necessário começar um novo futuro hoje.
*Esta narrativa faz parte das atividades de aprendizagem do módulo 1 do Programa Essencial da GC - Formação Executiva de Profissionais de GC.
Sobre a autora:
Aline Cristina Romagnoli é licenciada em Geografia, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas e Professional & Self Coaching. Colaboradora dos Correios há 16 anos, atuou na área de distribuiçao (logística), área comercial e recursos humanos, onde se encontra atualmente, desenvolvendo soluções de educação direcionadas para o negócio da empresa.