Gestão de Conhecimento e reconhecimento contábil de ativos intangíveis: desafios e perspectivas

Desde a década de 1990 tem sido disseminada a visão baseada em recursos, um modelo de Estratégia que busca explicar a vantagem competitiva a partir de duas premissas: a heterogeneidade das organizações mesmo dentro de um mesmo setor, bem como o fato de tais recursos não estarem perfeitamente distribuídos entre elas (BARNEY, 1991). A visão baseada em recursos vai destacar o conhecimento como uma vantagem competitiva no grupo dos fatores de produção intangíveis.

Mas o que é conhecimento? Adotamos aqui a definição de Tom Beckman (1999), para quem conhecimento “é o raciocínio sobre informações e dados que ativamente capacita o desempenho, resolução de problemas, tomada de decisão, aprendizagem e ensino”. Essa definição enfatiza o conhecimento como uma atividade (“raciocínio”) que utiliza como fontes as “informações e dados” para ativamente capacitar para o alcance de objetivos organizacionais (“desempenho, resolução de problemas, tomada de decisão”) ou relativos à educação corporativa (“aprendizagem e ensino”).

A partir da definição de conhecimento fica evidente a sua importância. Só que uma pesquisa realizada com 73 organizações públicas no Brasil concluiu que 70% delas estão ainda nos níveis iniciais de maturidade (iniciação e introdução) de gestão do conhecimento, o que significa que ainda estão distantes da sua institucionalização (BATISTA, 2016).

E o que é a gestão do conhecimento? Gestão do conhecimento é administrar os ativos de conhecimento de uma organização, que é feita por meio de um processo sistemático de identificação, criação, renovação e aplicação dos conhecimentos nas suas atividades (SANTOS, 2001).

Uma das dificuldades possíveis para as organizações investirem em gestão do conhecimento reside no fato da dificuldade em lidar com ativos intangíveis. Martin Wolf (2017) apresentou os “4 Ss” que caracterizam a economia do conhecimento:

  • Scalability (escalabilidade) no sentido que que um bem intangível pode ser utilizado por uma pessoa sem privar outros de seu benefício;
  • Sunkenness (subsidiariedade), em que o intangível tem valor como parte da empresa e não para qualquer outra empresa;
  • Spillovers (vazamentos) sobre o fato de que grande parte dos benefícios de um investimento poderá ser creditada a outras pessoas;
  • Synergies (sinergias) no que a utilização dos ativos intangíveis de forma diferenciada por uma determinada empresa pode fazer com que ela obtenha vantagem competitiva em relação a seus concorrentes.

O desafio em lidar com ativos intangíveis pode ser ilustrado pelo fato da legislação brasileira reconhecê-los somente a partir de 2007 como diferenciados na elaboração e divulgação de informações financeiras pelas sociedades por ações com o advento da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Até então o ativo imobilizado como parte do grupo Ativo Não Circulante abrangia desde bens móveis até os bens incorpóreos, ou seja, não havia tratamento próprio diferenciado para bens com características muito diferentes.

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis aprovou o Pronunciamento Técnico CPC 04 (R1), que define o tratamento contábil dos ativos intangíveis e especifica como mensurar o valor contábil de tais ativos (CPC, 2010). De acordo com o CPC, ativo é um recurso “(a) controlado pela entidade como resultado de eventos passados; e (b) do qual se espera que resultem benefícios econômicos futuros para a entidade”. Já o ativo intangível é um “ativo não monetário identificável sem substância física”. Para ser um ativo intangível, ele deve atender o critério de identificação que é atendido quando: “(a) for separável, ou seja, puder ser separado da entidade e vendido, transferido, licenciado, alugado ou trocado, individualmente ou junto com um contrato, ativo ou passivo relacionado, independente da intenção de uso pela entidade; ou (b) resultar de direitos contratuais ou outros direitos legais, independentemente de tais direitos serem transferíveis ou separáveis da entidade ou de outros direitos e obrigações”.

A partir dessas definições de ativos intangíveis para fins contábeis podemos notar que os ativos intangíveis são todos conhecimentos de uma organização, mas que nem todos os conhecimentos podem ser considerados ativos intangíveis contabilmente. Esta publicação com isso busca demonstrar o potencial da gestão do conhecimento para contribuir com as organizações, na medida em que um dos tipos de conhecimento capazes de serem gerenciados são os ativos intangíveis, capazes de serem incorporados contabilmente no valor de uma empresa.

Consideramos que os “4 Ss” identificados por Martin Wolf auxiliam na identificação dos desafios para mensurar o valor do conhecimento, uma vez que a sua utilização não o esgota (escalabilidade) e que seu valor deve ser considerado como parte da empresa (subsidiariedade). Sobre os vazamentos, Wolf deixa evidentes as limitações dos instrumentos tradicionais de controle de uso de propriedade intelectual existentes como marcas, patentes e direitos autoriais.

Em diversos trechos o CPC aponta como alguns ativos intangíveis mesmo não acompanhados de “direitos legais de proteção” podem ser considerados ativos intangíveis contabilmente. Um dos exemplos é o da carteira de clientes que permite relacionar a esforços para criar relacionamentos e fidelizar clientes em prol dos negócios da entidade. Ainda que não se considere existir relações contratuais assim consideradas as não advindas de uma combinação de negócios, o CPC entende que a capacidade da entidade em realizar tais operações fornece evidências suficientes de que é capaz de “controlar os eventuais benefícios econômicos futuros gerados pelas relações com clientes”.

Mas então qual o valor do conhecimento para uma organização?

O CPC considera que, para mensurar o valor do ativo intangível, cabe à entidade “avaliar a probabilidade de geração de benefícios econômicos futuros utilizando premissas razoáveis e comprováveis que representem a melhor estimativa da administração em relação ao conjunto de condições econômicas que existirão durante a vida útil do ativo”. O texto ressalta aspectos que envolvem grau de dificuldades por combinar aspectos como premissas razoáveis e comprováveis, sendo que muitas vezes não há metodologia na área que permita relacionar um ativo intangível que é exclusivo ou de poucas entidades.

Consideramos que a gestão do conhecimento pode entrar em campo não só para identificar os ativos intangíveis estratégicos de uma organização, como também para que sejam desenvolvidos internamente novos conhecimentos (criação e inovação), adquiridos conhecimentos externos úteis, aprimorados os conhecimentos existentes, disseminados e aplicados de forma consistente em benefício dos resultados do negócio.
Portanto, consideramos nesse contexto que a gestão do conhecimento pode contribuir sim com a melhor gestão dos ativos intangíveis de uma organização, de modo a produzir resultados significativos e duradouros.

Referências

BARNEY, Jay. Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, v. 17, n. 1, p. 99-120, 1991.
BATISTA, Fábio Ferreira. Gestão do conhecimento na administração pública – Resultados da pesquisa IPEA 2014 – níveis de maturidade – Texto para Discussão nº 2168. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2016.
SANTOS, Antônio Raimundo dos (org.). Gestão do conhecimento: uma experiência para o sucesso empresarial. Curitiba: Champagnat, 2001.
WOLF, Martin. Desafios de uma economia intangível. Valor Econômico, São Paulo, 29 de janeiro de 2017. Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/desafios-de-uma-economia-intangivel.ghtml. Acesso em: 18 set 2022.
Sobre o Autor

Eduardo Watanabe

Advogado da União, Doutorando e Mestre em Ciência da Informação, Diretor de Governança Corporativa da Advocacia-Geral da União, responsável pelo Projeto Módulo de Gestão do Conhecimento do Sapien